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Ficção de todo dia IV

Quando eu era pobre tinha que dividir um pão pra dez! Lá vem a senhora contar mentira pra cá... Tu não acreditas? Aaaaaah, tu não sabes o que é um couro. Como assim? Nunca ouviu essa expressão? Eu não. Um couro é quando a gente diz que a nossa pele fica curtida - que nem de boi - de tanto arder, a fome arde nas tripas, sabia? Arde nas tripas, já dizia a minha mãe. Toda vez que eu dizia que não queria aquele pão velho ela me dava um cascudo e dizia essa frase, parece que sinto a aquele cascudo,  daí ela pegava o pão e a gente dividia.

Mas a vovó disse que lá no interior do Marajó tinha fartura, vocês podiam pegar fruta no pé da árvore e faziam guerra de taperebá, que até estragava na rua, tinha piquiá pra caramba e vocês davam até pra porco, fala a verdade... A tua vó tenta melhorar o nosso passado, mas não era bem assim, eu me lembro que quando a gente queria comer um pedaço de carne, tipo fígado, ela dizia: te contenta com essa caça moída aí. E sabe o que era? Era paca, que depois de morta eles moíam e vendiam como picadinho, aquele que tu não gostas de comer, fica cheio de frescura. Diz que não aguenta mais comer frango... tu não sabes de nada. Reclama de barriga cheia, eu é que sei.

Eu nem reclamo... só disse que não quero mais comer frango de manhã, de tarde e de noite, tô quase pra botar um ovo... É o que tem? A gente tem é que dar graças a Deus por ter o que comer, porque no tempo que eu era pobre... Ué, mas algum dia a gente já deixou de ser?

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