Estamos mais do que
acostumados a ter acesso a livros e e-books que muitas vezes nem sequer passam
pelo mercado editorial, mídia, crítica literária, universidade ̶ isto é, espaços responsáveis pelo sucesso
de público e sobre a inclusão da obra no cânone literário ̶ , mas
que se tornam fenômenos de leitura e
podem influenciar gerações futuras. Não, não estou falando de nenhum sucesso da
web em blogs, sites, tumblr, fanzine virtual
ou algo do gênero.
Estou falando dos
poetas marginais e da Geração Mimeógrafo. Para você que acha que esses poetas
vieram diretamente da cadeia, ou mimeógrafo é um bicho, uma doença ou um tipo de
droga, explico.
Esses poetas começaram
a produzir seus escritos a partir da década de 70 e se estenderam até 80 –
alguns teóricos consideram apenas a década de 70, porém pela produção literária
que até flertou com o movimento punk outros
também consideram a segunda década –, ou seja, compreendidos nos anos duros da
ditadura militar, em os cidadãos tinham seus direitos cerceados e os escritores
que não se enquadravam nos padrões estabelecidos pelos militares, não tinham
apelo diante da mídia – para servir de boi de piranha ou de mártir – por não
produzirem uma arte mais comercial e, por não fazerem parte das grandes
editoras eram chamados de marginais, estavam literalmente à margem do
mercado de cultura, no caso deles especificamente, do mercado editorial.
Eles encontraram outros
caminhos para publicar seus poemas, manifestos literários, entre outros.
Uniram-se em um movimento juntamente com outros artistas do cinema, dramaturgia
e música para formar a Geração Mimeógrafo, chamada assim por utilizar uma
tecnologia rudimentar e mais barata para reprodução de escritos, com o mesmo
princípio da fotocopiadora, a Xerox, em que os livros eram produzidos e
distribuídos de forma independente e gratuitamente para a população em bares,
saraus e praças públicas. Uma geração sedenta por
liberdade em todas as esferas desde políticas até artísticas, longe dos padrões
literários estabelecidos que já não supriam a busca estética por uma arte
nova e de fácil acesso para todos. Eles não queriam só uma maior difusão cultural como
viver a arte, a poesia da forma mais visceral.
As poesias eram
afixadas em postes, panfletadas, pichadas em muros e tivemos também a
popularização das fanzines, a
literatura ganhou as ruas e chegou mais perto do povo com uma linguagem mais
coloquial, subversiva, metalinguística, com temas do cotidiano mais simples,
contestação dos padrões da sociedade sitiada, palavrões, pornografias,
expressões populares que não cabiam nos moldes da literatura.
E ainda, segundo
Heloísa Buarque de Holanda (2007):
“se
em 22 o coloquial foi radicalizado na forma do poema-piada de efeito satírico,
hoje se mostra irônico, ambíguo e com um sentido crítico alegórico mais
circunstancial e independente de comprometimentos comum programa
preestabelecido. O flash cotidiano e o corriqueiro muitas vezes irrompem
no poema quase em estado bruto e parecem predominar sobre a elaboração
literária da matéria vivenciada. O sentido da mescla trazida pela assimilação
lírica da experiência direta ou da transcrição de sentimentos comuns
frequentemente traduz um dramático sentimento do mundo.”
Como expoentes desse
grupo tivemos Cacaso (Antônio Carlos de Brito), Chacal (Ricardo Carvalho Duarte),
Touchê (Antônio Carlos Lucena), Roberto Piva, Ana C. (Ana Cristina César),
Torquato Neto, Charles Francisco Alvim, Waly Salomão, Leila Miccolis, José
Carlos Capinam, Nicolas Behr, Alice Ruiz e Paulo Leminski.
JOGOS FLORAIS I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
JOGOS FLORAIS II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)
COGITO
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
RÁPIDO E RASTEIRO
vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro, tiro o sapato
e danço o resto da vida
PAPO DE ÍNDIO
Veio uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui êles disserum qui chamava açucri
Aí êles falaram e nós fechamu a cara
depois êles arrepitirum e nós fechamu o corpo
Aí êles insistiram e nós comemu êles.
com seu vestido curtinho
delicioso
aparece a calcinha no rego moreno
da bunda
curto muito
meu olhar derrete de prazer
não há como enganar a evidência
desculpe o volume do lado
esquerdo da calça sem cueca
com tesão não se trinca
antes todos entendessem e se dedicassem de corpo e cama
antes todos entendessem e se dedicassem de corpo e cama
obs.:
meu pau esquecidamente duro
cai no
amolecimento
Fonte:
Hollanda,
Heloisa Buarque. 26 poetas hoje. 6° ed. - Rio de Janeiro: Aeroplano Editora,
2007.
Esqueceste o célebre Leopoldo Napoleão, com seu terno e chapéu, além do indefectível brinco de argolas nas noites paraenses. :)
ResponderExcluirE também a Ana C. EU AMO ESSA MULHER.
ResponderExcluirInclusive, o Felipe escreveu um texto sobre ela na Gotaz. Dá uma fuçada depois! :)
Mari, já me apaixonei por ela também. Ela está nas listinha dos próximos poetas marginais! Já vi o texto do Felipe!
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