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Ficção de todo dia II

Só ouvi aquela rajada. Eu achava que era pneu de bicicleta, sabe quando estoura? Pois é. Mas como isso? Várias bicicletas ao mesmo tempo? Ah, eu pensei que era. Na verdade eu sabia o que era, mas tava rezando pra que não fosse, sabe como é, a gente fica com medo, vai que é com um parente nosso. 

E o que tu fizeste? Quando eu ouvi? Sim. Eu corri pra porta de casa na mesma hora pra ver o que era. E tu já não sabías? Sim, eu precisava ter certeza. Precisava, tava curiosa, queria saber quem tinha levado sal! Como assim? Bicho morto num é salgado? Pelo amor de Deus... Ah, é assim que a malandragem fala. Desde quando tu és malandra? 

Deixa eu contar: na hora que eu saí na porta não tinha ninguém na rua, olhei pra um lado, aí quando olhei pro passaram dois caras numa moto e me olharam na cara, chega eu engoli seco, voltei correndo pra dentro de casa e esperei eles irem embora. Nunca vi na vida, fiquei tremendo que nem consegui me mexer, esses caras são todos iguais, mesma cara, mesma roupa , mesmo jeito, eu nem vi direito, parece que a névoa do medo passou no meu olho. Dei um tempo, quando vi o vuco-vuco na rua, saí pra ver se eu conhecia, pior que sim, mas falaram que era bandido também.

Como é que tu sabes dessas coisas? Todo mundo sabe quem é bandido e quem não é. Eu não sei. Mas deveria, pelo menos eles te conhecendo e tu sacando eles, salvam tua cara. E bandido salva a cara de alguém? Salva só de quem eles gostam, se não salva pelo menos te dá a real. 

O que é real nisso tudo? Real é que ninguém tá a salvo.

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