Filme Antes do amanhecer(1995), de Richard Linklater |
Ele
a convidou para um encontro. Conheciam-se há bastante tempo. Sabiam
que existia uma sintonia, mas algo os impedia de uma aproximação mais
verdadeira. A desculpa dele para se verem era a solidão da vida de solteiro:
não quero ficar em casa, “tá” batendo a depressão, cansei de assistir TV, “bora”
fazer alguma coisa, tomar umas de leve...
Ela
estranhou a atitude dele, que era sempre bem tímido, engraçado, mas tímido. Tudo
parecia não querer esse encontro, ela inclusive. Estava receosa do que podia
sair daquele dia. Já tinham se aproximado antes, mas ela fugiu. Sentia as
pernas moles quando ele se aproximava, agia feito boba. Ora essa, tenho trinta
e cinco anos. Como é que um menino desses consegue me deixar assim?
Enquanto
se encaminhava para encontrá-lo descobriu que não havia ônibus na cidade: quê
isso minha gente, será que vou ter que ir a pé? Merda, vou chegar toda suada.
Era mês de julho, ela morava na periferia e os coletivos rodavam em número
reduzido nas férias escolares. Ai, sorte que não é tão longe.
O
medo era latente, não queria correr riscos, mas não importava. Ela
caminhava tranquila e com um leve sorriso no cantinho da boca, nem se percebia.
Estava notando todas as cores com mais nitidez. E estava pirada nos olhos dos
velhinhos enquanto passava em frente às casas do subúrbio, os casais conversavam
com tanta ternura, achava estranho e sentia felicidade. Coisa estranha – pensava.
Passou
por uma praça e viu como o mundo andava feliz e ela nunca andou por ali, tudo a contagiava,
as crianças brincando, os idosos tomando água de coco e as moças correndo como
doidas. Os pássaros voavam – parece que mais rápido – num cantar tão forte:
acho que estão anunciando chuva. Droga, ele não vai me esperar, “tô” mais de
quarenta minutos atrasada e ainda vai chover.
Daí,
ela chegou no bar: caramba, pensei que tu não vinhas mais, já “tô” bêbado de
tanto te esperar. E
conversaram bastante, falaram sobre suas escolhas profissionais, sobre o mundo,
filmes inacreditáveis e seus diretores, as férias que estavam acabando e pelo
meio disso: o interesse. Àquele
das mãos suando, do sorriso desconcertado, do respirar mais pesado, do medo de
dar na vista. Sim, ela estava tensa. Ele até que um pouco à vontade. A
iniciativa veio pelas mãos dele, quando tocou os cabelos da moça. Os
dois se olharam e pensaram: quê isso, somos amigos. E riam.
Os
papos iam surgindo e ficando mais interessantes, o lugar na mesa mais próximo,
a música melhorava e as mãos começavam a se tocar. Mais uns goles, a cerveja
estava quente e tudo em volta mais leve. Vento. E de repente, chuva. Os
pingos refrescavam. Eles tiveram que se aproximar por causa de uma goteira que
caía em cima da mesa em que estavam. Virou um temporal.
Levantaram
com os copos na mão e se encostaram ao freezer, mais próximos, bem mais.
Os sorrisos agora eram mais fáceis. Ele
foi chegando mais perto e beijou-a no rosto, ou melhor, no “cantinho do
sorriso”. Esta
atitude deixou a moça mais desarmada: ele é meu amigo. Caramba, não vai dar certo. Em contrapartida ele: já
te falei mais do que deveria, gosto de ti porque és estranha, sem meias-palavras, e ao mesmo tempo és tão insegura. Ela
só queria beijá-lo, sabia que estava rendida.
Então, o bar fechou. Temos
que migrar para outro lugar. Qualquer lugar que ele quisesse ela iria. "Bora"
para o Café Imaginário, lá toca um som legal. E foram. Eles
caminharam pelas ruas com as mangueiras por testemunha daquele novo sentir. Os
passos eram rápidos como se tentassem fugir de algo que estava perto. E deram
com a cara na porta.
Ele
falava alguma coisa que ela não entendia mais, apenas sentia o cheiro e o som
da voz dele. Ai
garoto, “tá” bom. Aguentei o quanto pude, vem aqui e me dá um beijo. Beijaram-se
numa rua escura, com flores sob os pés, remanescente do temporal. O
beijo. Simplesmente
ardor, queimando aceso até hoje na memória. Foram caminhando meio atônitos depois do
acontecido.
Ela
entrou num táxi e foi embora. Ele foi para outra direção. Ninguém
entendeu o fato. Só
se sabe que aconteceu.
Carola
Muito bom! Muito perto e íntimo do, pelo menos meu, cotidiano. Com uma percepção bem interessante das coisas que não são ditas.
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