Pular para o conteúdo principal

A Gramatiqueira

O rapaz do RH colocou uma dúvida que aflige a minha gastrite, “Ana (ninguém me chama assim), você se formou em Letras e não é Bacharel, o que é então? Letreira? Letrista? Literata? Literal? Bom, quem se forma em pedagogia é pedagogo (ele logicamente era pedagogo). Quem se forma em publicidade é publicitário. Quem se forma em jornalismo é jornalista. E você é o quê?”.

No meio dessa confusão e da gargalhada interna, expliquei a ele que fiz Licenciatura Plena e que poderia me considerar professora, fêssora, sora, ou tia mesmo. Poderia falar que sou revisora de textos, que é o que realmente sou, passo a canetada virtual nos absurdos gramaticais que me chegam às mãos.

Não satisfeito com a minha resposta, não se fez de rogado e criou uma nomenclatura especialmente para mim. Que tal? Para as cucuias os anos de estudo intenso e debates acalorados sobre educação (desnecessárias, às vezes) e como esta é máquina de mudança, minha licenciatura foi para o lixo, o mercado de trabalho é assim! Primeiro te olha, sorri, finge que não te conhece, dá um sorrisinho, manda flores, te apaixona e quando viu? Já era, perdeste a pureza. Suplicas um retorno, seguras o telefone o dia inteiro e não recebes “àquela” ligação. Viras uma mulher vingativa. Os anos passam dentro dessa relação, que começou errada e no fim do quinto ano de conflito, deixas de ter “àquele” nome pomposo e te chamam de:  “gramatiqueira”.

Dá para ela corrigir o meu texto? É função dela, melhorar tudo que escrevo. Se eu não errasse, ela morreria de fome! Eu criei o emprego dela. Deixa que ela lê, ela é a sabe tudo. Iiiii lá vem ela me encher o saco. Caxias. Ó Oráculo da língua portuguesa. Essa daí? Não passa de um dicionário ambulante. Gramatiqueira!

Pois bem, vem pra cá Aurélio, vamos estourar aquela boca! Lá tem quilos e quilos de verbos mal conjugados, contrabando de neologismos e não é da Colômbia não, vem diretamente dos EUA. Muita mercadoria ilícita no morro Jornal, a PF (Professora Frustrada) vai fazer a devassa! Começou a operação INUTILIA TRUNCAT. Todos os abusos serão averiguados e as medidas cabíveis serão tomadas.

TODOS OS EPISÓDIOS DA GRAMATIQUEIRA TERÃO A COBERTURA COMPLETA DA IMPRENSA E ESTARÃO DISPONÍVEIS PARA A OPINIÃO PÚBLICA AQUI.


Carola

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poetas Marginais e Geração Mimeógrafo

Estamos mais do que acostumados a ter acesso a livros e e-books que muitas vezes nem sequer passam pelo mercado editorial, mídia, crítica literária, universidade   ̶  isto é, espaços responsáveis pelo sucesso de público e sobre a inclusão da obra no cânone literário   ̶ ,   mas que se tornam fenômenos de leitura   e podem influenciar gerações futuras. Não, não estou falando de nenhum sucesso da web em blogs, sites, tumblr, fanzine virtual ou algo do gênero.  Estou falando dos poetas marginais e da Geração Mimeógrafo. Para você que acha que esses poetas vieram diretamente da cadeia, ou mimeógrafo é um bicho, uma doença ou um tipo de droga, explico.  Esses poetas começaram a produzir seus escritos a partir da década de 70 e se estenderam até 80 – alguns teóricos consideram apenas a década de 70, porém pela produção literária que até flertou com o movimento punk outros também consideram a segunda década –, ou seja, compreendidos nos anos duros da ditadura militar, em os

Só se sabe que aconteceu

Filme Antes do amanhecer(1995), de Richard Linklater Ele a convidou para um encontro. Conheciam-se há bastante tempo.  Sabiam que existia uma sintonia, mas algo os impedia de uma aproximação mais verdadeira. A desculpa dele para se verem era a solidão da vida de solteiro: não quero ficar em casa, “tá” batendo a depressão, cansei de assistir TV, “bora” fazer alguma coisa, tomar umas de leve... Ela estranhou a atitude dele, que era sempre bem tímido, engraçado, mas tímido.  Tudo parecia não querer esse encontro, ela inclusive. Estava receosa do que podia sair daquele dia. Já tinham se aproximado antes, mas ela fugiu. Sentia as pernas moles quando ele se aproximava, agia feito boba. Ora essa, tenho trinta e cinco anos. Como é que um menino desses consegue me deixar assim? Enquanto se encaminhava para encontrá-lo descobriu que não havia ônibus na cidade: quê isso minha gente, será que vou ter que ir a pé? Merda, vou chegar toda suada. Era mês de julho, ela morava na periferia

Gerda: A PORTA DO MEDO

Artemísia Gentileschi.  Susana e os velhos, 1610. Óleo sobre tela, 170×121 cm Gerda abriu a porta do medo, lá estavam presentes projetos perdidos, falta de consciência e ombridade, letargia, ausência de vigor e caminhos de expansão, injustiças. Para seu espanto, percebeu que sentimentos nem tão primitivos também estavam ali, pois já que era um ser em transição, agora é que tudo se misturava. Não é tão fácil se livrar do que se vai ser e do que se passou. Esta era a entrada de um terreno lodoso, barrento, como tabatinga de bairro antigo perto de rio. Ao entrar, afundou em sua trajetória, quis viver àquele lugar e teve medo de não sair, viu muita gente tão perdida quanto ela, misturada, e também suicidas, assassinos, estupradores, estelionatários, e sua própria sombra. Sim, para além de um Outro Terrível que já foi - objetificado para sustentar um ódio palatável, um ser fora de si - viu o quanto todos eles faziam parte dela, já que pensava "todos somos um".  Viu que sua