Pular para o conteúdo principal

Ficção de todo dia V

Ela me disse uma vez que preferia morrer do que ter que deixar aquela casa pra todos os filhos, tu acreditas? Credo mana, quem te disse isso? Eu ouvi da boca dela, não mandou recado, te juro. Meu queixo quase caiu quando falou isso. Mas ela vai ter que morrer pra casa ir pros filhos, né? Sim, mas tu entendeste o que ela quis dizer, né? Entendi, quer levar a casa pro túmulo, isso porque foi ela que pariu, valha-me Deus.

Quando os meninos eram crianças ela dava de cipó neles, os bichinhos pulavam o muro de casa fugindo dela, uma vez deu com uma colher quente na cabeça de um zinho lá que até hoje tem as marcas daquilo... Eu hein, tem gente que não nasceu pra ter filho... É, mas a vida dela não foi fácil também. Contou pra mim que os meninos só faltavam deixar ela doida, tinha um que até botar fogo na cama dela botou. Sangue de Cristo. É, diz que esse que fez isso era igualzinho a ela, os outros meninos tinham até medo dele, pulavam o muro também pra fugir desse menino...

Será que esse espírito ruim passa de mãe pra filho? Passa não, né mana, a criança aprende olhando o exemplo. E o filho que colocou ela no asilo era qual? Era esse mesmo, o que ateou fogo na cama. Mentira... É, parece que levou ela pra lá e inventou uma história de que tinham entrado na casa pra assaltar e que ela ia precisar passar um tempo na casa de repouso. Até mudam o nome pra ficar bonito, né? Como é o nome disso, metonímica, né? Não, parece que é metáfora... Mas isso não é quando a gente fala num sentido que não é o valendo? E não foi o que ele fez? Ah mana, eu passei arrastada nessa matéria, o que eu sei é que eu fui visitar a velha lá e soube pelas enfermeiras que o único filho que vai olhar a mulher é aquele da colher quente na cabeça... mas que ela gosta mesmo é do ruim.

Tem gente que nasceu pra ser gente, né mana?

Comentários

  1. C.

    massa o novo visual. e a força dos contos cresce a cada postagem...

    love ya,

    r

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Poetas Marginais e Geração Mimeógrafo

Estamos mais do que acostumados a ter acesso a livros e e-books que muitas vezes nem sequer passam pelo mercado editorial, mídia, crítica literária, universidade   ̶  isto é, espaços responsáveis pelo sucesso de público e sobre a inclusão da obra no cânone literário   ̶ ,   mas que se tornam fenômenos de leitura   e podem influenciar gerações futuras. Não, não estou falando de nenhum sucesso da web em blogs, sites, tumblr, fanzine virtual ou algo do gênero.  Estou falando dos poetas marginais e da Geração Mimeógrafo. Para você que acha que esses poetas vieram diretamente da cadeia, ou mimeógrafo é um bicho, uma doença ou um tipo de droga, explico.  Esses poetas começaram a produzir seus escritos a partir da década de 70 e se estenderam até 80 – alguns teóricos consideram apenas a década de 70, porém pela produção literária que até flertou com o movimento punk outros também consideram a segunda década –, ou seja, compreendidos nos ano...

Rio

Eu, filha de rio Adentro O Rio De São Sebastião Gentileza, Selarón São Jorge e Zés Pilintras Parto e no centro encontro bordas No Rio transbordo                            o que me é profundo Nele, no seio, anseio estar no mundo como um rio inundo do que tenho de estranho entranho o belo, o imundo Rio em mim rios muitos Carola

Para Mariana

Em resposta ao questionamento da minha amiga Mariana Hass (chique esse nome, não?) vou publicar um texto. O mais engraçado é que sofro do mesmo mal que ela, o da indisciplina. Sim, é um saco admitir, mas tenho pouca disciplina quando se trata de publicar meus textos.  Tenho um caderno em casa cheio deles, na verdade são três cadernos, mas só os considero como um, três é meio pedante. Pensei em publicar um texto por semana. Terminaria o ano e ainda sobraria, mas quando os li, tinha tanta depressão, mais tanta depressão que eu soltei uma gargalha e resolvi não postar todos, só os menos deprimentes ( latu e stritu ). Amei a ideia dela de fazer vídeos falando o que não se quer escrever, conversando sobre o Filme Psicose . O blog dela fica na minha lista, pode “ir lá depois daqui” (olha o clichê! rs). Ah! Mari, o texto era esse mesmo. Carola