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Minha Maria

Dia Internacional da Mulher para mim não é dia para confetes, ao contrário, é data para se olhar para dentro.  Não digo que não devamos falar das glórias femininas ou ficarmos felizes com homenagens e mimos que ganhamos de chefes, maridos, amigos, namorados, homens de nossas vidas. Tudo isso é muito importante e alimenta o dia de sorrisos e afagos sinceros.

Não vou fazer um discurso feminista, político ou revoltado sobre nossas mazelas, condição muitas vezes desleal no mercado de trabalho; a banalização da mídia em relação à nossa figura, que parece que só deve ser respeitada nesse dia ou do fato de nós mesmas nos colocarmos na condição de carne mais barata do mercado e reclamarmos quando querem nos comprar, entre outras coisas que abomino. Há tudo isso, mas quero falar de outras camadas mais profundas.

Venho de uma família de mulheres e esse signo do feminino em mim é forte demais. Isso não implica numa camada de fragilidade e sim, muito mais nas de pelejar, aguerrir, abdicar e destemer. E o que emerge disto tudo é que me interessa, é disso que eu falo.

Vejo na minha casa uma mãe que enfrentou muitos percalços para estudar, mas nunca desistiu. Teve que abdicar deste sonho para cuidar dos filhos e hoje a vejo realizar, paulatinamente, esse desejo, dia após dia, nos seus quase 50 anos. Paro e admiro cada dificuldade, olhar cansado, apostilas pela sala, sono disfarçado no sofá, boa-noite-filha quase sonâmbulo na porta de casa. 

Falo do caranguejo com cerveja dia de sábado em casa preparado especialmente para mim, do salgadinho despretensioso que acho na geladeira, da minha cama arrumada depois que jogo todas as minhas roupas nela para escolher um mísero vestido para ir num reggae. 

Da conversa sobre a novela que não vi, mas que peço para ela contar só para ter o prazer de ouvir “eu não vou contar”, ver a cara dela de zangada e depois rir da gargalhada gostosa que ela dá ao falar que a mocinha é muito besta. Fora os presentinhos que recebo todos os anos neste dia.

E, sobretudo, da força que nem sei de onde ela tira, mas parece inesgotável. E da garra para ser a mulher da família, que sempre tem uma palavra de coragem para não me deixar desistir das intempéries que aparecem para me derrubar. 

Quase nunca a vejo esmorecer, também não a vejo se acomodar diante de qualquer injustiça. Com ela aprendi o quão é importante ESTUDAR, o que é integridade e que é muito importante batalhar pelos sonhos. “Calma, filha, o que tem que ser vai ser, é só ter fé.”

Falo aqui de camadas que não contemplo e às vezes não entendo o quanto deveria. Do que é submerso ao dia a dia, do lugar em que o amor surge. 

Sobre tudo o que pode ser dito hoje, dia 08 de março, se deve falar do amor. O amor que só uma mulher é capaz de dar.

E hoje, eu escolhi falar do amor da minha Maria, vulgo mamãe.


Carola

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